Minha História Enquanto Pessoa surda,do aparecimento da surdez Inserção a Comunidade surda.

Minha História Enquanto Pessoa Surda, do Aparecimento da Surdez a Minha Inserção a Comunidade Surda

Por STELA PERNÉ SANTOS


RESUMO:


Neste artigo proponho a escrever minha trajetória de pessoa Surda, a minha inserção na comunidade surda. Apresento um breve retrospecto, que inicia se no aparecimento da surdez e sua adaptação até os dias de hoje, onde penso ter respondido minhas inquietações de pessoa surda que trabalha, estuda e sonha uma sociedade justa e igual a todas as pessoas.




Palavra chaves: Surdez, educação, libras, memória, narrativas surdas e gênero.




APRESENTAÇÃO:


Por acreditar que uma das melhores formas de provar uma verdade é vivenciá-la, construí este artigo como um relato de minha própria experiência no “mundo surdo”¹ .


A surdez me acompanha desde os 10 anos de idade, estava no Ensino Fundamental neste período. A minha surdez se diferenciou dos demais, pois não veio ao nascer. Venho de uma família de ouvintes, mas com casos de surdez surgidos na pré-adolescência e agravados com a idade. A primeira pessoa surda na família foi meu bisavô materno, Hermínio Perné, depois o filho, Hermínio Perné Filho, meu avô, até minha mãe, Denize Lorena Perné, duas tias, meu irmão, duas primas e um primo. Esse tipo de surdez, conforme alguns autores, aparece num período pós-aquisição de linguagem. Nesse sentido, quando somos acometidos de tal transformação já temos introjetado em nós a característica de um sujeito ouvinte, assim ao perdermos a capacidade auditiva nos vemos num situação de adaptação a nova realidade e a vivência de um sujeito surdo.


Quando a criança passa de um estado inicial no qual não tem conhecimento acerca de uma dada língua ao estado em que se torna um falante nativo. (QUADROS, FINGER 204, 2008)
Isso se explica principalmente pela aquisição tardia da surdez, no meu caso, por volta dos 10 (dez) anos de idade. Então, qual foi a problemática em que me vi envolvida? Seria a dificuldade em fazer uso de uma outra linguagem para compensar o ato de comunicação.


Linguagem (…) reflete a capacidade do ser humano de fazer uso dela no seu dia-a-dia (…) essa capacidade é uma conseqüência direta do fato de sermos seres humanos. (QUADROS, FINGER 48, 2008)


As primeiras falhas no ouvir, foram percebidas por mim, e foram se acentuado até os 15 (quinze) anos, quando foi realizada a primeiro exame de audiometria² . Daí com Laudo pronto, eu e meu irmão que também estava passando pela mesma fase, fomos encaminhados para uma instituição chamada OVG (Organização das Voluntárias de Goiás) na qual mais tarde, recebemos os primeiros aparelhos, AAIS (aparelho de amplificação sonora), para facilitar a audição e compensar a perda auditiva.


Sofremos, choramos na saída do consultório, mas jamais culpamos nossa mãe pela surdez. Também sofria conosco, teve medo de nossa reação e torcia por nossa adaptação. Ela sabia. A resposta que procurávamos naquele momento a vida nós daria, mesmo que levasse algum tempo. A partir daí, o que surgiu em nós foi o medo do desconhecido, a “doença” que nos acompanharia para o resto de nossas vidas.


Ficamos entre dois mundos, ou melhor, duas Culturas. Sabíamos que não éramos mais ouvintes, mas também não fazíamos parte da Comunidade Surda.
olhar a identidade surda dentro dos componentes que constituem as identidades essenciais com as quais se agenciam as dinâmicas de poder. É uma experiência na convivência do ser na diferença.” (PERLIN E, 2003)


Crescemos em um meio desconhecedor das muitas possibilidades da pessoa surda, só descobríramos depois que conhecemos a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e a conviver com a comunidade surda.


Embora as línguas naturais sejam muito diversas, o curso de aquisição de linguagem é o mesmo em qualquer língua, como tem sido observado translingüisticamente. Para explicar o processo de aquisição de linguagem, uma teoria lingüística tem de dar conta dessa universalidade da linguagem e responder o que é especial sobre linguagem, e sobre as crianças, que garante que elas irão dominar um sistema de regras rico e complexo num período em que elas estão apenas entrando em idade escolar. (Quadros e Finger, 1999)


Entendo que o que vivenciei foram dois processos de aquisição na linguagem e inserção em sociedades diferentes que trouxeram a mim uma riqueza na relação entre essas duas realidades.


Na universidade onde graduei-me em História, tive a oportunidade de conviver e participar de um grupo de pesquisa em fonoaudiologia. Conheci a professora Anette Sciott, fonoaudióloga pioneira em Goiás e fundadora do Departamento de Fonoaudióloga da Universidade Católica de Góias. Foi através desta experiência que passei a investigar sobre processo histórico-social que envolvia o surdo, tema este que trabalharia em meu trabalho final de curso.


Com o incentivo e orientação do Professor Eduardo Reinato, defini e escrevi sobre o seguinte o tema “Memória e Inclusão Social do Surdo no Brasil”. Esse trabalho monográfico representou a minha legitimação enquanto pessoa surda. Encontrei muitas pesquisas e autores que já pesquisavam sobre a surdez, inclusive, trabalhos incríveis produzido por pessoas surdas já consagradas mestres, como Gladis Perlim.


O trabalho de Perlin(2003), “A cultura e Pedagogia Surda” foi um marco para compreensão de minha própria história e também servindo para que aos poucos, o conhecimento da Comunidade Surda e sua cultura, seja conhecida pelos ouvintes. Foi um desafio conhecer minha própria cultura e sentir-me motivada a manter relações com o povo surdo e ao mesmo tempo me constituir enquanto sujeito de minha própria história .


…. tarefa do estudo da cultura surda é descobrir quem os surdos pensam que são. Do ponto de vistas dos surdos, quem se qualifica como pessoa surda e quem não o faz? Quais as categorias distintas de pessoas que a cultura surda impõem no mundo? Se o mundo visto através dos olhos do surdo não e habilitado por pessoas sem rosto e sem qualidades, quem são os “alguém”, positivamente caracterizados e apropriadamente identificados (WILCOX 2005 , 44)






A pesquisa em si representou um grande desafio, desde o pré-projeto até a conclusão da monografia. Consegui justificar o porque de se falar em surdez, considerando que em Historia, alguns ainda pensam ser essa relação inexistente.


Depois do sucesso da graduação iniciei minha especialização em História Cultural, dificílima. As teorias estudadas, os autores pesquisados não colaboravam em leituras fáceis, todas eram muito complexas. Nesse período busquei dar continuidade ao tema pesquisado e mergulhei na história da educação de surdos e as metodologias de ensino.


Finalmente, em 2006, tive grande e maravilhosa oportunidade de iniciar um curso de Licenciatura em Letras modalidade Libras, coordenado pela Universidade Federal da Santa Catarina. Um projeto pioneiro na América Latina que iniciou em nove cidades brasileiras entre elas Goiânia. Novos desafios e infinitas possibilidades de pesquisa surgiram. Tive a oportunidade de ter “professores fascinantes”³ e conviver ao mesmo tempo com colegas de sala surdos e ouvintes que constantemente se apóiam nesse trabalho que a cada dia nos cobra mais em estudo, capacidade e esforço.


Claro que não parei por ai, sentia a necessidade de buscar novos horizontes, me apresentar ao “mundo”. Assim iniciei em 2008, uma especialização em LIBRAS na Faculdade Padrão, o primeiro curso em Goiânia que tinha como foco de pesquisa a Língua de Sinais os sujeitos que essa envolve nos âmbitos sociais e educacionais.


Profissionalmente, em 2008 e 2009, tive a oportunidade de atuar como como professora/instrutora de LIBRAS no Colégio Estadual Professor José Carlos de Almeida, da Rede Estadual de Ensino. Contei com o apoio de uma professora de Recursos, muito atenta e paciente, que tanto comigo quanto com os demais instrutores e também o apoio da equipe do Centro de Apoio a Inclusão – CAS.


Deste período em diante, com alma lavada basta correr atrás dos sonhos, sonhos de pessoas surdas como eu, daqueles que estudam e trabalham, desejosos de uma sociedade mais humana e conhecedora das questões da Comunidade Surda,


mas não se trata somente de reconhecer a diferença cultural do povo surdo, e sim, além disso, de perceberem a cultura surda através do reconhecimento de suas diferentes identidades, suas histórias, suas subjetividade, suas línguas, valorização de suas formas de viver e de relacionar.” (STROBE L 2008, 91)


O desafio de conhecer e definir-me enquanto um sujeito que ao mesmo tempo em que deseja pra se, anseia pelos outros. Quero ver o dia em que os professores surdos atuem como os demais professores, sejam respeitados em suas diferenças e profissionalmente provem seu valor como eu acredito que tenha conseguido faze-lo. Não falo de professores de Língua de Sinais, falo sim, de professores de Historia e demais disciplinas, momento em que surdez e cultura surda, sejam complementos para o processo de construção do conhecimento.
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[1] Termo utilizado por Gladis Perlin, doutora em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina.
[2] Exame para aferir o grau de perda auditiva em Decibéis.
[3] Termo utilizado pelo autor de livros de auto-ajuda, Augusto Cury.
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BIBLIOGRAFIA
CURY, Augusto. Pais Brilhantes professores fascinantes. Ed. Sextane, 2003.
QUADROS, Ronice , FINGER, Ingrid. Teorias de Aquisição de linguagem . Ed. UFSC 2008
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura Surda . Ed. UFSC. 2008
SALLES, Lima. Bilingüismo dos surdos questões lingüísticas e educacionais . Ed. Cânone 2007
Perlin, GLADIS. O lugar da cultura surda. Ed. Edunisc, 2004
WILCOX, SHERMAN. Aprender a ver. ED. ARARA AZUL 2005,


Nota: Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Especialista no Curso de Pós-graduação em LIBRAS: Formação de Recursos Humanos para o Atendimento Inclusivo da Faculdade Padrão, orientado pela Prof.ª Esp. Waléria Batista da Silva Vaz Mendes. Goiânia, 2009.





STELA PERNÉ SANTOS é graduada em História (UCG – 2004), Especialista em Formação de Professores: História Cultural (UCG -2006), Especialista em Formação de Recursos Humanos para a Surdez (Faculdade Padrão -2008) e Graduada em Letras/Libras (UFSC – 2010). Professora de Libras, na Rede Estadual de Educação (2003 , 2008, 2009 e 2010). Administrativa em Educação (2004 a 2010-1)

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